Tradução de humanaesfera do texto La Boulangère et le théoricien (sur la théorie de la forme-valeur) publicado originalmente em francês em 2014 no link https://ddt21.noblogs.org/?page_id=81.
O padeiro e o teórico
(sobre a teoria da forma-valor)
Se a teoria da
forma-valor (“TFV”), devida notoriamente a Robert Kurz, Anselm
Jappe e Moishe Postone [1], alcançou renome entre os radicais na
França após a tradução do Manifesto contra o trabalho
em 2002, é porque ela teve sucesso em se apresentar como um posto
avançado da crítica social.
Por
que entrar nesse que parece um debate de especialistas?
(Forma-valor... a
expressão já impressiona). Sobretudo porque ela abrange questões
políticas não negligenciáveis. Depois, porque todos nós podemos
saber tanto quanto os especialistas.
1
– Valor & valor
O
que chamamos de valor
é aquilo que determina a produção e circulação capitalistas: o
tempo de trabalho social médio necessário para produzir uma
mercadoria. O valor é o tempo, e o tempo é primeiramente o tempo de
trabalho. Uma mercadoria é tempo de trabalho coagulado. O tempo é
simultaneamente a substância e a medida de valor. O tempo de
trabalho socialmente necessário conduz necessariamente ao tempo
mínimo de trabalho: a
produtividade tende a
se impor sobre toda a sociedade.
A
repetição das palavras tempo
e trabalho
não é pedantismo: a compreensão do valor passa pela conjugação
dessas duas realidades.
A
exploração não é apenas o fato de o trabalhador ser privado de
todo ou parte do resultado de seu trabalho. No entanto, costuma-se
reduzir exploração a isso, e a dupla solução seria a
re-apropriação dos meios de produção e a redistribuição das
riquezas: o “desenvolvimento das forças produtivas” sob direção
dos trabalhadores, dos “produtores associados”.
Não
foi obstinação de algum teórico que questionou esse programa. Foi
uma crítica proletária que começou, particularmente na Itália na
década de 1970, a questionar o marxismo como afirmação do
trabalho, e fundamentou teoricamente a exigência da abolição do
trabalho, o qual os comunistas anteriormente só podiam propor como
um imperativo.
Remover
o caráter de mercadoria dos produtos e dos seres não é apenas
suprimir o dinheiro, é viver sem calcular nem comparar o tempo de
produção para reduzi-lo ao mínimo: é romper com a produtividade.
A
TFV é vista como uma expressão dessa perspectiva: ela não insiste
na crítica do
trabalho
colocando o valor no centro da análise?
Isso
se a TFV não fizesse do centro a totalidade: para ela, o valor seria
completamente autonomizado, auto-sustentado. Todas as realidades, a
começar pelo capital no sentido de uma soma investida por um
empresário com objetivo de ganhar no fim do ciclo mais dinheiro do
que colocou, todos os conceitos perdem sua função ao fundirem-se em
um grande todo dominado pelo “trabalho abstrato”.
Para
a TFV, o “trabalho abstrato” é tão abstrato que ele existe em
toda parte e em lugar nenhum: o local de produção, uma fábrica de
componentes eletrônicos por exemplo, se torna desimportante. Uma
multiplicação de fórmulas (“mediação social essencial”,
“dinâmica imanente”, “socialização pelo valor”, “movimento
tautológico de reprodução e auto-reflexão do dinheiro”) nos
explica que, por trás das aparências, o sistema funciona por si só.
Se a TFV fala do assalariado, é como se fosse um detalhe secundário:
ali onde reina o trabalho abstrato, o trabalho se torna secundário,
assim como a exploração do trabalho.
Para
a TFV, a palavra valor
explica tudo: a dominação abstrata do valor. Pouco importa à TFV
que a mercadoria força
de trabalho
seja posta a trabalhar para produzir valor: que ela seja mercadoria é
mais importante do que aquilo para o qual ela é consumida. A força
de trabalho não seria a mercadoria que funda todas as outras, ela
seria apenas uma entre muitas, não mais central do que centenas de
outras na perpetuação do sistema.
Em
suma, o conceito de valor absorveu o de capital, e a exploração do
trabalho é um fenômeno derivado: a noção de mais-valia foi
dissolvida na de valor.
Segue-se
logicamente disso a extensão da noção de relação social a todos
os atos da vida.
Um
homem investiu dinheiro, se tornando dono de uma padaria. Um
assalariado trabalha nela. A esposa do patrão trabalha ali como
vendedora: ela gostaria de deixar seu marido, mas continua com ele
por falta de outro modo de sobreviver. O teórico (suponhamos que
ensine no setor público) mora do outro lado da rua. Sua filha,
considerando receber pouca mesada, se recusa a fazer as compras da
casa. O teórico vai ele próprio comprar pão. Compra uma baguete de
1 € com uma moeda de 2 €, e recebe o troco de 1 €, que ele, ao
sair, dá ao sem-teto sentado na calçada.
Para
a TFV, o capitalismo se constitui de todas essas relações sem que
nenhuma determine a outra. Apesar das diferenças de status ou de
função, patrão, operário, esposa sem recursos, filho dependente
de seus pais, professor assalariado, sem-teto, aquilo que os opõe é
menos importante do que o que eles compartilham: todos tem em comum
serem dominados pelo “valor”. Quer se trabalhe ou não, quer se
comande ou não o trabalho dos outros, cada um é submetido ao
“trabalho abstrato”. Cada papel sustenta todos os outros, e o
sistema social se reproduz em igual medida por cada um desses gestos.
A transformação social só poderia advir do somatório das recusas
de cada um dos participantes.
Segundo
a TFV, que atribui ao trabalho apenas um papel subsidiário, o
capitalismo não tem realmente necessidade de trabalho, mas mantém
cada um (empregado ou desempregado) sob a coerção do trabalho por
razões de controle social. A função do trabalho não seria mais a
produção, mas a dominação. A TFV é uma teoria do valor sem o
trabalho.
2:
Sociedade de classes ou sociedade autômata?
Apesar
da TFV ter o mérito de ter entendido que o comunismo não é a
vitória do trabalho sobre o capital, da classe trabalhadora sobre a
classe burguesa, esse entendimento só serve a ela para concluir que
a luta de classe é uma bobagem que se limitaria a sustentar o
sistema.
Para
ela, com a autonomização do valor, o trabalho e o momento
produtivos se tornaram irrelevantes, e a revolução (para
empregarmos uma velha palavra) será a obra de bilhões de seres
reificados e alienados.
Pode-se
dizer que, de fato, o comprador de um Mercedes de 100.000 € é tão
alienado quanto (e este “quanto” não é de analogia, pois aqui
não há o que comparar) o sem-teto procurando comida no lixo.
Mas,
para compreendermos como a sociedade existente funciona (e como ela
pode ser abalada), a alienação não é suficiente.
Se
o mercado é o lugar indispensável onde se confrontam os
equivalentes da substância do trabalho social médio, portanto do
valor, essas equivalências foram formadas na e através da
exploração dos trabalhadores cujos custos foram mensurados (e
reduzidos ao mínimo possível).
A
TFV nos apresenta um mundo onde todos são alternadamente
compradores e vendedores, inclusive de si mesmos. Na realidade, o
valor se baseia na divisão do trabalho, que, por sua vez, supõe a
divisão da propriedade entre aqueles que comandam os meios de
produção e aqueles, “sem reservas”, forçados a sobreviver
alugando sua capacidade de trabalhar. Em outras palavras: duas
classes.
Ver
a fonte de valor na produção é situar a contradição essencial na
relação entre trabalho assalariado e capital, com tudo o que isso
implica em termos de relação entre classes: estamos diante do
inevitável problema de uma luta de classes suscetível de produzir
outra coisa além dela própria. Problema até hoje não resolvido
pelos proletários, e com o qual a teoria comunista se debate há
dois séculos. Porém, a história ainda não terminou.
A
TFV se evade da dificuldade. Para ela, o enigma do proletariado (essa
classe que não é uma...) seria resolvido ao situar a origem do
valor na circulação, na troca: o problema é diluído em um
conjunto de contradições resumidas nos conceitos de alienação, de
despossessão e fetichismo, coisas que dizem respeito a quase toda
gente.
Partindo
da crítica muito correta da visão da luta entre o burguês e o
operário em que bastaria libertar o segundo do primeiro, a TFV acaba
negando a realidade das classes. Partindo no entendimento da
impessoalidade da relação social (o burguês e o trabalhador não
seriam mais do que funções do capital), ela leva a uma
despersonalização que desrealiza a realidade: a transformação da
sociedade seria obra de todos os que hoje são submetidos ao valor,
isto é, o conjunto das vítimas do capitalismo (os famosos 99%).
Além disso, se o capital funciona
como um autômato e seu automatismo abrange tudo e todos, se o único
sujeito real é o valor, nesta altura de abstração, a força capaz
de derrubá-lo (mais uma palavra excessiva: ultrapassá-lo é
suficiente) também é automática. A mudança, é você e eu, e é
inevitável.
3:
Vítimas do fetiche
Grupos como Socialisme ou Barbarie
teorizaram um “capitalismo burocrático” (que supôs realizado na
Rússia e em vias de se impor na América) e terminaram fazendo da
burocracia a essência do capitalismo. A análise
situacionista da “sociedade do espetáculo” terminou colocando o
espetáculo no fundamento da sociedade.
A TFV procede do mesmo modo com o
fetichismo.
Se a palavra tem um sentido,
fetichismo designa o mecanismo pelo qual o dinheiro parece
dotado de uma força própria, mas que na verdade resulta do
trabalho, das relações entre os homens (entre classes).
Porém, na TFV, o fetichismo não é
mais efeito de um certo tipo de atividade, o trabalho. É o inverso:
o trabalho é um fetiche. A teoria do “capitalismo
fetichista” transforma o capital (e toda a sociedade) em fetiche.
Que os proletários sejam explorados, isso não passa de um fato
marginal: no fundo, eles são, e todos nós somos, fetichistas.
Se é essa a essência do capitalismo,
a solução é promover relações pessoais verdadeiramente vividas,
não mediatizadas pela mercadoria, como uma sociedade transparente de
produtores associados pode proporcionar, porque os associados saberão
aquilo que fazem.
Fazer do fetichismo o objetivo central
é dissociar as relações sociais das relações de produção. A
palavra “social” parece ampliar e aprofundar a análise,
enquanto, na verdade, dilui seu fundamento: não há mais nenhum
efeito causal, apenas uma totalidade auto-(re)produzida.
Quando se decreta o trabalho e a
exploração como secundários diante de uma alienação generalizada
(é isso que perpetuaria a sociedade atual), reivindicar a
autenticidade permite incluir quase toda gente, os 99% outra vez.
Com o risco de soarmos marxistas
antiquados: o fetichismo não está no fato de eu e o padeiro nos
tratarmos reciprocamente como coisas porque ele, com uma mão, me dá
um pão e, com a outra, toma minha moeda de 2 €. O fetichismo está
no esquecimento de que o dinheiro exprime uma relação de
exploração. Omissão que é inevitável para o padeiro (ele tem
outros problemas), mas menos justificável para aqueles que pretendem
revelar o mistério da sociedade moderna. O teórico inverte a
realidade quando ele toma a relação salarial como um fenômeno
acessório, simples efeito da submissão generalizada ao trabalho
abstrato. Fetichizar é falar em dinheiro-rei ou de reino
da mercadoria, quando na verdade esses são soberanos apenas por
delegação. Uma característica do objeto-fetiche é sua capacidade
de agir como sujeito automático que escapa aos homens. A TFV não
faz outra coisa quando ela dota o “valor” de um poder autônomo.
O padeiro conta seus centavos, mas é
o teórico da onipotência do valor que sucumbe à fascinação do
capital.
As verdadeiras vítimas do fetichismo
são aqueles que creem que o valor domina o mundo.
4:
Como eles lêem Marx
Esses “novos leitores de Marx” são
muito pouco crítico daquilo que lêem. Eles nunca exprimem um
desacordo explícito com Marx.
No entanto, a teoria deles está longe
da de Marx, se é que não é oposta, porque todos os conceitos
marxianos originais para a análise do capitalismo (trabalho,
trabalho necessário/sobretrabalho, assalariado, mais-valia, lucro,
classe, etc.) foram dissolvidos (dir-se-ia subsumidos) no
valor elevado à categoria de “totalidade social”
“automediatizante” e “auto-referencial”, ou seja, um conceito
que serve de explicador de tudo.
Já que a TFV diz que estuda o
trabalho, esperaríamos que houvesse uma crítica à forma como o
autor de O Capital aborda e define valor e trabalho,
particularmente no início do Livro I. [2]
Se nas suas dezenas de milhares de
páginas, a TFV não fez nada disso, é porque visa outra coisa:
afirmar que o valor é tudo, reduzir o capital ao valor.
Para ela, apenas os Grundrisse
(manuscritos de 1857-58) interessam, e sobretudo o “Fragmento sobre
as máquinas”, onde Marx explica que a criação de riquezas
depende cada vez menos do trabalho imediato e direto e cada vez mais
da aplicação à produção da ciência e da tecnologia (o célebre
general intellect).
A TFV não tem nenhuma necessidade de
criticar Marx. Basta-lhe separar um Marx exotérico (aquele do
século XIX, do movimento operário, da luta de classes, da afirmação
do trabalho) de um Marx esotérico, o verdadeiro, o
revolucionário, aquele dos Grundrisse, o teórico pioneiro da
forma-valor que se tornou dominante no fim do século XX.
Válida em seu tempo, a obra marxiana
hoje seria obsoleta. O Capital tinha validade em 1867. Apenas
os Grundrisse (aquilo que a TFV retêm) valeriam para hoje. O
que a TFV sustenta é a tese de um novo capitalismo, libertado
das restrições históricas do trabalho industrial, da oposição
burguês/operário, da diferença entre trabalhador e
não-trabalhador, entre trabalho improdutivo e improdutivo (tudo e
todos contribuiriam agora para a criação do valor), entre produção
e circulação. Esse neo-capitalismo ofereceria a vantagem de
facilitar a supressão do trabalho... já em vias de desaparecimento
pelo próprio capitalismo.
5:
Método
A TFV faz do “valor” uma fórmula
mágica, uma chave explicativa universal, comparável em seu
funcionamento a “capitalismo” ou “classe” no marxismo. O
leitor é confrontado com uma série de palavras, cada uma suposta
como explicação da outra: trabalho abstrato (sem esse
abstrato, estaríamos à beira do marxismo operário), forma,
valor, fetiche, mediação social, reprodução
(“produção” soa antiquado), etc. sem demonstração de uma
causalidade: o sentido se transvasa de um termo ao seu vizinho, e
então tudo recomeça.
O procedimento é irrefutável
[irréfutable]: nenhum momento do raciocínio pode ser falho,
pois cada um remete a uma causa primeira e última, “o valor”,
impalpável mas onipresente (exatamente como “o capitalismo”
entre os marxistas).
A TFV causa sensação graças a
conceitos que dão a impressão de ir ao fundo das coisas, de
apreender a realidade na sua verdade mais geral. Forma sugere
que se compreende uma infinidade de conteúdos particulares. Trabalho
abstrato parece cobrir todas as manifestações possíveis do
trabalho assim como do não-trabalho. A repetição do adjetivo
social amplia o ponto de vista a uma multiplicação de gestos
e práticas. O leitor pode então se imaginar guiado dos fenômenos
de superfície para sua causa profunda.
Na realidade, de tão ampliados, os
conceitos se esvaziam. Na TFV, trabalho abstrato significa o
fim do papel do trabalho: tratar unicamente do trabalho como
abstração, dissociá-lo de todo trabalho concreto, equivale a
eliminá-lo. Forma é sinônimo de perda de substância, o
capitalismo contemporâneo (o novo capitalismo, da 3ª revolução
industrial) sendo descrito como dissolvendo a substância trabalho
abstrato, fundamento do valor.
Quanto à palavra social (tão
recorrente na TFV quanto, entre ativistas, a expressão “as
lutas”), sua generalização banaliza o sentido: englobando tudo,
desde a fábrica Renault até uma discussão entre vizinhos, falar de
relações sociais dessa maneira significa omitir as relações
de produção, e, em nossa sociedade, as relações de classe.
6:
Política
O que essa teoria, tão crítica do
anti-capitalismo e alter-mundialismo contemporâneos quanto do velho
movimento operário, propõe?
Em uma sociedade sem centro de
gravidade, que funcionaria de modo automático e reduziria a oposição
entre capital e trabalho a um conflito de interesses entre
proprietários de mercadorias diferentes, quem for buscar um “sujeito
histórico”, o encontrará fora da esfera da (re)produção.
Lá, há inúmeras opções. Teorizar
sobre a violência dos excluídos, por exemplo. Mas os partidários
da TFV preferem soluções mais amenas, misturando transformação
das mentalidades, movimentos de consumidores, cooperativismo,
experimentações sociais, práticas ecológicas, ações
anti-assédio, e, na produção, uma organização de tarefas, uma
indústria “em escala humana”, mais a automação, a redução do
tempo de trabalho, uma ênfase na “economia do conhecimento”
graças à dita revolução digital, tudo isso sustentado na
reivindicação de uma renda básica universal e democracia
horizontal.
Que contraste entre a ambição de ir
ao fundo das coisas e a modéstia dos objetivos...
Que a TFV seja compatível com a
panóplia reformista, isso é coerente com a definição do valor.
Como o Deus definido por Nicolau de
Cusa no século XV, o valor é “um círculo cujo centro está em
todo lugar, e a circunferência, em lugar algum”. Felizmente, esse
monstro é vulnerável: como ele está em todos, todos nós podemos
fazê-lo desaparecer, desde que o arquiteto e sua secretária, o
comerciante e sua vendedora, o diretor e o estudante, o prefeito e o
catador de lixo se engajem nas práticas de gratuidade, de
resistência, e talvez de desobediência. Ao invés de “a
revolução”, velharia do século XIX, um ou dois bilhões de
micro-revoluções, uma infinidade de pequenos e grandes gestos.
7:
No espírito do tempo
A sofisticação à serviço da
moderação. Há 15 anos, o Manifesto contra o trabalho
(publicado pelo grupo Krisis, tendo Robert Kurz como principal
animador) já descrevia um sistema ainda mais fácil de destruir
porque ele se desfaria a si próprio: o capitalismo moderno removeria
sua base racional no trabalho, e também no valor. Não há mais
necessidade de revolução, pois o capitalismo estaria prestes de
atingir o seu próprio limite. Como no marxismo social-democrata ou
estalinista, tão desprezado pela TFV, a socialização capitalista é
apresentada como contraditória ao capitalismo. A “crise do valor”
(supostamente mais englobante do que a banal crise do capital) já
estaria em andamento porque setores inteiros da vida social estão
sendo descapitalizados por falta de rentabilidade. Portanto, não
esperemos a queda do capitalismo pela luta de classes, mas do
movimento do valor morrendo pelas suas contradições internas.
A TFV está no cruzamento de muitos
caminhos ideológicos.
Ela exprime a decomposição do
“marxismo”, devido ao fim do velho movimento operário e do
capitalismo de Estado.
Ela é um eco muito degradado das
novas críticas proletárias (o “anti-trabalho”).
Ela se inscreve na auto-crítica de um
capitalismo forçado a se questionar sobre o produtivismo e a
ecologia, que duvida do “progresso”, que ao estender o trabalho
assalariado ao mundo inteiro, não glorifica mais “o
desenvolvimento das forças produtivas”, e que imagina sair de sua
crise pelo virtual e pelo imaterial.
A força da TFV é dar ao leitor algo
de qualitativo [qualitatif]. Ele vai mais longe do que a
gestão (operária ou generalizada), e parece fazer a ponte entre
resistência ou revolta imediata e transformação social. Enquanto
retrata um presente sombrio, a TFV promete um porvir radioso, porque
o tal valor onipresente mina sua própria dominação universal, e
contra ele, vai nos unir a todos. A TFV é reconfortante.
A TFV ignora a violência
fundamental contida na relação de exploração, a venda de
força de trabalho, efeito de uma situação onde uns, porque “sem
reservas”, são coagidos, para sobreviver, a trabalhar para o lucro
de outros, que controlam os meios de produção. O fato de que a
exploração do trabalho é uma contradição, de que a revolução
(a comunização) se fará a partir dessa situação e contra ela, é
uma questão prática e teórica demasiado banal em comparação com
as sutilezas do valor.
A TFV é uma exposição erudita da
crítica da mercadoria, livre do idealismo dos anos 70 e do apelo dos
conselhos operários, mas também desprovida de exigências de
ruptura social. [3]
G.D.
[Tradução do francês por humanaesfera]
Notas: